Na fila.
Em forma, na linha, enfileirada para uma mostra de arte, dessas que chegam na capital por pouco tempo
Imperdível.
Gratuita.
Muita gente e uma atrás da outra.
Estou sozinha, na ponta do zigzag interminável.
Me lembro de uma serpente que se enrosca no cinza da cidade e não se move.
Faço parte desta espera.
Olho em torno para passar o tempo.
Um pastor prega a palavra do Evangelho.
Rouco de tanto gritar para atrair o público.
Em vão.
Movimenta-se, gesticula sem sucesso.
Os únicos que o percebem estão rindo, zombando.
E o pastor continua pregando no vazio.
Na minha frente uma família.
Mãe e filha roqueiras.
Percings, tatoos e roupas pretas.
Pai e filho de jeans e camisa.
A fila se move.
A mãe e o pai falam mal de um parente.
O pai quer comer um abacaxi de um ambulante.
Ao lado…vejo cinco rapazes fazendo o intervalo do almoço.
Olham as bundas das garotas que passam.
Comentam, dão risadas.
A fila se move.
Tem rico, tem pobre, tem chique, tem cafona.
Todos tem o mesmo objetivo: ver a mostra, ver arte.
O pai atende o celular que toca.
Discute em voz alta.
Toda a fila escuta.
Ele berra, conta coisas pessoais, da vida, do trabalho.
Não gosto, não me interessa.
Não tenho paciência.
Olho para o lado e me distraio.
Vendo lixo no chão.
Papéis, garrafas PET, sacos e sacolas.
Pessoas sem educação comem e bebem.
Jogam no chão e emporcalham a cidade.
Algumas pessoas sentam no chão.
Sujo.
Homem vende água, ganha o dobro.
Somos enganados, mas aceitamos, não podemos sair da fila.
Os dois filhos sentam no chão.
Sujo.
Os dois são gordos.
Os dois estão cansados.
Cheiro de cigarro no ar.
Detesto.
Ao lado a fila dobrada.
Duas mulheres discutem.
O que fazer da vida.
Carreira, estágio, incertezas.
Fala muito, a voz rouca mostra que a garganta está cansada.
Se queixa do ar seco.
Um pouco à frente um casal de namorados.
Ele a fotografa.
Ela faz pose.
Apaixonado, ele escolhe o melhor ângulo.
Ela ri.
Ele guarda o momento no celular.
Na outra parte da fila a moça fala que mora em uma república.
Os pais aprovaram a decisão de vir para a capital.
Moça do interior.
Desenhista, desenha e conversa.
Conversa e desenha.
Desenha e sorri.
Concluo que desenhar traz felicidade.
Enquanto isso, outro homem fala com um cliente.
Pede desconto.
Consegue.
Não consegue andar, a fila.
A moça pergunta para o segurança qual o horário mais tranquilo.
Ele se acha muito importante.
Responde com um ar distante.
O pai desliga o celular.
Abraça o filho.
A moça para de desenhar e me vê escrevendo.
Deve pensar que escrever traz felicidade.
A fila anda finalmente...
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